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Em Águeda, a serra ardente eclipsou a acalmia do início da noite

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Ao início da noite, previa-se para hoje uma madrugada de incêndios mais tranquila em Águeda, mas o receio do município concretizou-se de tal forma que a serra se transformou numa labareda de ansiedade para Acácio, em busca do seu irmão.

Cerca da meia-noite, o presidente da Câmara de Águeda (no distrito de Aveiro), Jorge Almeida, dirigiu-se aos jornalistas na Cumeada, numa zona residencial e industrial que já tinha observado algumas projeções de fogo, revelando algum otimismo.

“Neste momento temos aqui uma profusão de meios que gera alguma tranquilidade, mas é importante que não se falhe. O incêndio vem ali. Há uma outra frente na zona da Maçoida e outra na zona da Veiga”, referiu.

A situação era bem melhor do que a de horas anteriores em toda a freguesia de Valongo do Vouga, apesar dos ventos variáveis, fagulhas bem visíveis e cinzas no ar.

A preocupação era notória na face e no falar de André Duarte, residente da Cumeada que tinha vista demasiado próxima para o fogo, a consumir os habituais eucaliptos a poucas dezenas de metros da sua casa.

“O fogo já teve várias frentes. Veio da localidade da Veiga para cá, chegou aqui entre as 19:00, já esteve bastante aceso, mais calmo, e agora voltou a reacender com o levantamento do vento, e estamos nesta situação que é visível”, dizia à Lusa, com as chamas como pano de fundo.

Tendo o terreno à volta da casa limpo, no dia de hoje André só teve de regar a casa e tirar a cadela da casota.

Porém, num ápice, a situação piorou e o único carro de bombeiros no terreno adjacente à casa passou a três, combatendo o vivo laranja das chamas que se misturava com o vermelho carregado de fumo. Mais tarde, André diria à Lusa que o fogo ficou controlado.

Na Veiga, ainda em Valongo do Vouga, um pequeno foco de reacendimento ardia nas traseiras de casa de Adélia Dourosa, que classificou tudo o ocorrido nos últimos dias como “fogo ‘botado'”.

As ruas desta localidade mais acima da Cumeada, de onde o fogo se tinha dirigido pela encosta, estavam praticamente despidas, com apenas uns bombeiros de prevenção.

A Lusa encontrou alguns habitantes da Veiga que, visivelmente exaustos, não quiseram falar: “São 24 horas, já”, disseram, sobre o seu tempo sem dormir.

Se o cenário parecia relativamente controlado na Cumeada e na Veiga, aos jornalistas o presidente da Câmara de Águeda tinha deixado “uma nota pequenina”.

“É uma pequena fogueira que foi feita, foi ficando para trás, lá muito na parte nascente do concelho, junto a uma aldeia que é Lourizela. Tenho vindo a alertar, porque é um perigo enorme”, referiu.

Foi precisamente aqui que os ventos começaram a mudar. As horas passavam, a localidade de Arrancada do Vouga dormia, e rumo a Lourizela, pelo meio de hectares de eucalipto ardido, cabos soltos e postes tombados, pouca ou nenhuma luz havia na estrada.

Quilómetros de árvores caídas, pequenos focos de incêndio que apenas o escuro da noite e do fumo logravam esconder.

“Perigo de incêndio” – podia ler-se em vários sinais ao longo da estrada. Todos queimados.

Rapidamente Lourizela se revelou inacessível, havendo a garantia por parte do comandante dos bombeiros de Águeda, Francisco Santos, que a pequena localidade seria protegida pelas várias corporações que se dirigiam para o local.

Ao longe, no alto da serra, a localidade de Ventoso fazia jus ao nome e a situação complicava-se no vale do rio Alfusqueiro, na fronteira entre Águeda e Sever do Vouga.

As chamas estavam longe, mas eram bem visíveis, iluminadas por si próprias, pelas estrelas e pelo eclipse lunar parcial observado esta madrugada.

À beira da estrada que une Águeda e Sever, as brasas voltavam a aquecer no meio da terra mais do que queimada, o cheiro era incessante, tal como a vontade de Acácio Arede de contactar o seu irmão, sem rede móvel e sem rede de suporte.

“Ele atualmente está sozinho na casa e não terá hipóteses, se não tem ajuda dos bombeiros não terá hipóteses de salvação. Habita sozinho”, disse à Lusa em Frágua, Sever do Vouga, perante um vale em imponentes chamas.

Acácio andou ansiosamente às voltas na serra para ajudar o irmão, que vive próximo da Lourizela, na Quinta da Serrascosa, em Préstimo, mas não conseguiu chegar a sua casa.

“Dei meia volta e decidi vir aqui acima ver o que se passava e consegui estar ao telefone aqui”, contou, relatando uma façanha difícil face às circunstâncias da madrugada.

Tentou voltar e conseguiu ir ter com o irmão, mas, já quase de manhã, disse à Lusa que “a situação se complicou”.

Acácio teve de vir embora e o seu irmão ficou teimosamente entregue a si próprio, à sua sorte, ao vale ardente e ao sacrifício dos bombeiros.

Entretanto, a serra continua a arder.

Notícias do Centro | Lusa

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